Fé movimenta cidades, mobiliza comunidades rurais e aquece economia

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Faça chuva ou faça sol, subir a serra é uma tradição para milhares de pessoas que percorrem escadarias e longas trilhas na zona rural da Bahia para conhecer capelinhas e santuários isolados. São roteiros mantidos por agricultores que pedem boas safras, devotos em busca de proteção, ou turistas atrás de cenários deslumbrantes. Durante a Semana Santa, esta peregrinação ajuda a manter histórias de fé e devoção em cantinhos remotos da BahiaL

Mas é preciso vencer o cansaço e o ar rarefeito que se intensifica com a altitude. A baixa umidade não deixa o visitante esquecer que esta é uma das regiões mais secas da Bahia. No caminho, pés de cansanção, umburanas de cheiro, mandacarus, juazeiros, angélicas cheirosas, angicos, macambiras e tamburis exibem a exuberância da caatinga, revelando detalhes do único bioma exclusivamente brasileiro.

Muita gente vai pagar penitências, fazer orações, agradecer ou apenas apreciar o cenário da região.

A Semana Santa mobiliza toda a região, um movimento importante para a economia do município de Santa Bárbara, que tem cerca de vinte mil habitantes e chega a receber mais de mil visitantes durante o feriado.

“Nós encaramos como período de alta estação. Tem um grande fluxo de pessoas que passam pela BR 116, afirma Koko do Mercado e Lanchonete Santa Bárbara.

* Em Tanquinho, na sexta-feira da Paixão, centenas de pessoas sobem o monte da Emancipação, no município de Tanquinho. A movimentação gera comércio nas proximidades do monte, trazendo complemento de renda para muitas pessoas que têm no comércio informal sua única ou principal fonte de rendimento.

“A sensação é de liberdade. A gente se sente mais próximo de Deus e do centro do universo. É uma troca de energia com a natureza, um momento de reflexão. Renova tudo, até o ar dos pulmões. É inexplicável”, diz Denny de Neneca, Técnico em Radiologia, que já fez o percurso do monte de Tanquinho várias vezes, e esta semana vai refazer a rota com um grupo de dezessas.

“A gente sobe, olha a paisagem e se sente feliz”.  Dá vontade de não descer mais do morro. Antigamente meu bisavô trazia a família para passar o domingo. Sem energia elétrica, ascendia a fogueira do lado de fora para aquecer, e todos ficavam rezando no monte, conta Bruno Teixeira .

Os dias mais movimentados são quarta, quinta e a Sexta-feira da Paixão. Os outros moradores, que vivem em povoados perto do monte, aproveitam para vender alimentos e água mineral, muitos acreditam que o lugar pode auxiliar no turismo ecológico na região.

“A ideia é preservar. Aqui existe uma reserva de caatinga que precisa ser valorizada como patrimônio ambiental, que deve ser protegida. Por isso o acesso de moto está proibido, e nós recomendamos a todos que recolham o próprio lixo e leve de volta quando for embora”, afirma um morador local de Tanquinho.

Em Piatã, já é a mais alta do Nordeste brasileiro, está a 1.268 metros de altitude. Mas tem gente que faz questão de alcançar alturas ainda mais elevadas. Na Semana Santa, peregrinos e visitantes vão até a região não apenas para experimentar os famosos cafés especiais produzidos no município, mas também para subir a Serra da Santana, que chega a alcança mais de 1.500 metros de altitude. A intenção dos peregrinos é alcançar a Capelinha de Senhor do Bonfim, que fica no meio da serra, mantendo uma tradição que já dura 20 anos.

Em Serrinha, na sexta-feira da Paixão, muitos fieis, como fazem habitualmente, subirão o monte pelas mais diversas razões, que vão desde o ato de cumprir promessas, obter uma vista privilegiada da cidade ou fazer orações. Recentemente foi proibido pela Diocese o uso de bebidas alcoólicas durante o evento. Além da subida ao monte, na sexta-feira santa ocorre a procissão do Senhor Morto, que conta, também, com a presença de boa parte da população serrinhense.

Nazaré das Farinhas, distante cerca de 85 km de Salvador, realiza a centenária Feira dos Caxixis, no período de  Quinta-feira Santa a Domingo de Páscoa ( 29 de março a 1º de abril). Trata-se de uma exposição de produtos de artesanato de barro, confeccionados de forma artesanal, em Maragogipinho (Aratuípe). Nesta feira, há também a exposição e comercialização de artesanatos de tecidos, palhas, madeira e outros, além de apresentações musicais..

O turista poderá unir o útil ao agradável porque, além dos produtos expostos para comercialização, terá a oportunidade de apreciar o riquíssimo acervo arquitetônico, estilo barroco da localidade como o galpão próximo ao espaço onde acontece a feira e que exibe a famosa locomotiva “Maria Fumaça”, adquirida em 1873, patrimônio histórico dos nazarenos.

Há a Via Sacra da cidade no imponente Cristo, com 15 metros de altura, localizado no Morro do Silêncio, que conta, de forma artística e com esculturas, a história da Paixão de Cristo, em 14 estações. No alto da Via Sacra, o turista poderá observar uma bela vista da cidade e, ainda, as peças artísticas de autoria do escultor Felix Sampaio.

*Em Monte Santo, no Nordeste da Bahia, a 350 km de Salvador, a tradição de subir o Monte do Santuário da Santa Cruz é mantida o ano todo. Na Semana Santa o fluxo de visitante chega a ultrapassar mais de 50 mil pessoas. São peregrinos que sobem 2,5 km, andando, para acompanhar as celebrações da sexta-feira santa, dia de maior movimento. No caminho, 23 cruzeiros marcam o trajeto da romaria, que começou em 1775 com o frei capuchinho Apolônio de Toddi. Quem vai a região também aproveita para conhecer de perto o cenário onde ocorreu a Guerra de Canudos, o Museu do Sertão e uma réplica do meteorito de Bendegó, encontrado em 1784 às margens do rio.

*Em Ituaçu, a 500 km de Salvador, na Serra Geral, é a Gruta da Mangabeira, que se tornou palco de missas e procissões há mais de 100 anos. A gruta tem um percurso de 3,2 quilômetros de extensão e a peregrinação ocorre durante o ano todo.

*Em Mairi, a 300 km de Salvador, peregrinos sobem as escadarias da Serra do Monte Alegre para chegar a Capela no topo da serra. A peregrinação acontece ao longo do ano, mas se intensifica na Semana Santa.

*Em Bom Jesus da Lapa, a 790 Km de Salvador, a romaria ao Senhor Bom Jesus é uma das maiores do Brasil e mais antigas, existe há mais de 300 anos. O Santuário fica numa gruta localizada dentro de uma serra de 90 metros de altura. A peregrinação ocorre o ano todo, mas o ponto alto da devoção é no mês de agosto.

* Em Milagres , Devoção a Nossa Senhora dos Milagres: “A serra fica poucos quilômetros acima da cidade, numa área com no máximo 30 casas. Cheguei no dia da Missa do Vaqueiro. É uma tradição popular mesmo. Mantida pelo povo sertanejo sofrido do Nordeste. O povo da roça, do campo, das pequenas comunidades rurais”.

(Foto: Marcos Nascimento)

Outros locais de devoção no Brasil

Juazeiro do Norte (CE), Devoção a Padre Cicero: “A devoção ao Padre Cícero é impressionante, já que ele oficialmente não é santo. Mas para o povo é. As pessoas enfrentam uma fila imensa para subir até a estátua. Elas tem como tradição dar três voltas ao redor da imagem e passar por baixo da bengala, que ocupa uma espaço muito estreito. Lá também, assim como no Bonfim, usam fitinhas e velas. Encontrei muitos romeiros baianos por lá”.

(Foto: Marcos Nascimento)

Juazeiro do Norte (CE), Devoção a Nossa Senhora das Candeias: “Na festa de Nossa Senhora das Candeias as luzes da cidade se apagam na hora da procissão. Mesmo sem luz é uma festa tranquila, a gente sente o ambiente familiar, sem confusão, as pessoas andando pacificamente, cantando louvores e orações. Não precisa nem da presença de policiais. As pessoas se respeitam e a gente sente a paz no meio do povo”

(Foto: Marcos Nascimento)

Barbalha (CE), Festa do Pau da Bandeira: “A festa começa na zona rural por volta das 5 da manhã e só termina as 6 da tarde na cidade, depois que eles descem uma serra de mais de 10 quilômetros, segurando um pau de cinco metros de comprimento. Todos se protegem para que tudo corra bem até a chegada em frente à igreja, onde depositam o pau, que fica lá por um ano. A gente percebe o sacrifício dos carregadores oficiais. Muitas vezes fica até difícil compreender. Por isso dizem que fé não se explica, se vive”

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