Além de presidente do TJ-BA, três desembargadores e dois juízes são afastados

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O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Gesivaldo Britto, três desembargadores e dois juízes do Tribunal foram afastados nesta terça-feira (19) dos seus cargos por 90 dias, por suspeita de venda de sentenças desde 2013/2014, num suposto esquema de grilagem de terras no Oeste da Bahia que teve ainda dois assassinatos de queima de arquivo.

A determinação do afastamento é do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao atender pedido do Ministério Público Federal (MPF). O afastamento ocorreu durante a Operação Faroeste, realizada nesta terça pela Polícia Federal, que realizou a prisão de quatro beneficiados no suposto esquema criminoso.

Segundo a decisão de Fernandes, “se vislumbra a possível existência de uma organização criminosa, na qual os investigados atuaram de forma estruturada e com divisão clara de suas tarefas para a obtenção de vantagens econômicas por meio da prática, em tese, dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro”,

Também por ordem do STJ, cerca de 200 policiais federais cumprem 40 mandados de busca e apreensão em gabinetes, fóruns, escritórios de advocacia, empresas e nas residências dos investigados em Salvador, Barreiras, Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia (na Bahia), e em Brasília.

Além de Britto, foram afastados os desembargadores Maria da Graça Osório Pimentel Leal, Maria do Socorro Barreto Santiago e José Olegário Monção Caldas, e os juízes Marivalda Almeida Moutinho e Sérgio Humberto de Quadros Sampaio. Desembargadores e juízes afastados ficam proibidos de entrar no prédio do TJ-BA, bem como de comunicação com funcionários e utilização de serviços do Tribunal.

Os presos, em caráter temporário, de cinco dias, são o guineense Adailton Maturino dos Santos, a esposa dele, a advogada Geciane Souza Maturino dos Santos, o principal assessor de Britto, o assessor judiciário do TJ-BA Antonio Roque do Nascimento Neves e o advogado jequieense Márcio Duarte Miranda – que recebeu em fevereiro deste ano o título de Cidadão de Salvador da Câmara de Vereadores. Adailton Maturino dos Santos é apontado pela investigação como idealizador e articulador de todo o esquema.

De acordo com o MPF, o guineense “escora-se na atuação de advogados e servidores do TJ-BA, com intermediadores de venda de decisões judiciais por desembargadores e juízes, afim de realizar gigantesco processo de grilagem no oeste baiano, com o uso de laranjas e empresas para dissimulação dos ganhos ilicitamente auferidos”.

A prisão temporária dos investigados, de acordo com a decisão do STJ, ocorre “porque, nas palavras do MPF, eles compõem o núcleo duro da dinâmica de avanço da corrupção sobre o Poder Judiciário baiano, bem como coordenação e materialização de todo o fluxo de recebimento e movimentação de recursos financeiros de origem criminosa, capitalizados pela organização sob exame”.

Falso cônsul
Adailton Maturino dos Santos, segundo o MPF, apresentava-se falsamente como cônsul de Guiné-Bissau, juiz aposentado e como mediador, além de ser apontado como juiz arbitral pela esposa, “sem que, na verdade, tenha exercido ou possua qualificação profissional para exercer qualquer dessas funções e cargos”.

O guineense passou a fazer fortuna no oeste da Bahia a partir de 2015, quando uma área de 360 mil hectares de terra, equivalente a cinco vezes a cidade de Salvador, foi passada ao borracheiro José Valter Dias e a esposa Ildenir Gonçalves Dias por meio de uma portaria administrativa número 105, do TJ-BA.

A área era ocupada desde a década de 1980 por cerca de 300 produtores de soja, os quais, após a edição da portaria, passaram a ser prejudicados por uma série de decisões de setores do Judiciário baiano.

Valter Dias e a esposa entraram com ação judicial possessória em 1985, um ano após os produtores de soja – a maioria do Paraná – chegarem à região, incentivados pelo Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer II).

O casal diz nos autos do processo que são os donos da Fazenda São José por ter comprado os direitos de herança da área, que não tinha limites definidos quando foi dado entrada na ação.

Em 2017, uma liminar do juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, emitida em pleno período de colheita, forçou os produtores a deixarem suas terras, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

Com o risco de perder o resultado de seu trabalho, os agricultores foram forçados a fechar acordos considerados extorsivos com os novos “proprietários”, pelos quais tinham que pagar parte de sua produção para que pudessem permanecer nas terras.

O valor cobrado variava entre 25 e 80 sacas de soja por hectare, parcelado em uma média de seis anos. A investigação do MPF aponta que o valor total pago pelos agricultores chegou a R$ 1 bilhão.

Enquanto isso, José Valter Dias criou uma holding, a JJF Investimentos, que passou a administrar as terras e receber as sacas de soja. José Valter Dias tem como sócios na holding seu filho, Joilson Gonçalves Dias, e a advogada Geciane Maturino, esposa de Adailton Maturino.

Apesar das diversas denúncias de irregularidades feitas pelos agricultores, decisões de setores do TJ-BA rejeitavam que eles fossem sequer ouvidos nos processos judiciais sobre as terras. José Valter Dias chegou a virar dono até de uma área pertencente a uma reserva ambiental federal, a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins.

A investigação do MPF aponta dois assassinatos como queima de arquivo, de pessoas que seriam testemunhas de conversas e acordos sobre pagamento de propinas a desembargadores e juízes do TJ-BA. Numa delas, a desembargadora Maria da Graça Osório recebeu R$ 1,8 milhão para dar decisão liminar favorável a Maturino.

“O responsável pela divulgação da negociação indicada, Genivaldo dos Santos Souza, foi executado em praça pública, com oito tiros, em 29 de julho de 2014. O guarda municipal Otieres Batista Alves, identificado como executor dos disparos contra Genivaldo, foi vítima de homicídio com características de execução em 3 de setembro de 2018”, aponta o MPF.

No dia 13 de setembro de 2019, por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o cartório de Registro de Imóveis de Formosa do Rio Preto anulou a matrícula que atribuía ao borracheiro José Valter Dias e a esposa Ildenir Gonçalves Dias a propriedade de 366 mil hectares de terras. No mesmo ato, o cartório tornou novamente válidas as matrículas de imóveis dos cerca de 300 agricultores.

TJ-BA se diz ‘surpreendido’
Num comunicado à imprensa, o TJ-BA informou que “foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal e ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJ-BA serão prestadas, posteriormente, com base nos Princípios Constitucionais”.

“Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5º, inciso LV: ‘aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes’.”

Quanto à vaga temporária na presidência do TJ-BA, o Regimento Interno do Tribunal determina que ele seja assumido pelo 1º vice presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo.

Fonte: Correio On Line

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