‘Pedi para falar com Deus’, diz motorista de app sobre como sobreviveu a chacina

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O motorista que sobreviveu à chacina que terminou com quatro motoristas de aplicativo mortos na quinta-feira (12), contou como conseguiu escapar da emboscada montada por traficantes no bairro da Mata Escura. Em entrevista à TV Bahia, o motorista relatou que quando percebeu que iria ser morto pediu aos assassinos para falar com Deus.

“Quando eles [suspeitos] começaram a enrolar, aí perguntei ‘eu posso falar com Deus?’. Ele falou ‘pode’, aí foi o momento que eu falei, ‘o senhor é o Deus das causas impossíveis, eu estou no laço do passarinheiro, me tira do laço do passarinheiro, eleva meus olhos para os montes de um onde vem meu socorro, vem do senhor que veio do céu e da terra e quando chegou no final da oração do salmo 121’, o rapaz [suspeito] colocou a pistola em cima da geladeira para pegar o morto [uma das vítimas]”, relatou o motorista.

Na entrevista à TV Bahia, o motorista ressaltou que nesse momento só conseguiu escapar porque o motorista  Genivaldo da Silva Félix, de 48 anos, tentou reagir e ele conseguiu fugir. Genivaldo morreu. 

“Eu falei ‘irmão, pelo amor de Deus, sou pai de família, vocês não têm necessidade de matar [as vítimas]’. Aí, ele falou: ‘Se dependesse de mim, não morria ninguém, mas quem manda é o coroa’. Ele disse que era para matar todo mundo'”, disse o motorista à TV Bahia.

Na entrevista, ele relatou que quando começou a fugir pelo matagal os bandidos começaram a atirar.

“Pulei e eles falaram ‘poca, poca, poca’ e começaram a dar tiros um atrás do outro. E eu embolando, embolando que eu pensei que era mato normal. Quando eu pisei [no chão], eu desci, a lama veio até o peito”, disse o motorista que relatou ainda que pulou em um barranco e se escondeu na lama para conseguir despistar os criminosos. Foi ele quem chamou a polícia e informou onde ocorreu o crime.

Foi o momento que primeiro eu ouvi os gritos, quando estava subindo e depois eu ouvi os tiros. Eu falei, eles estão matando os meus amigos. Eles me sequestraram, aí foi que o segurança me levou para a portaria, chamou apoio, aí a polícia chegou, foi o momento que eu dobrei o meu joelho e agradeci a Deus, que só Deus das causas impossíveis pode me salvar “, disse o sobrevivente em entrevista à TV Bahia

O motorista sobrevivente também contou que ele precisou segurar em árvores para conseguir fugir. “Eu não conseguia sair andando, porque a lama estava até o peito. Então, eu segurava na árvore e rastejava, só que quando eu segurava, a árvore balançava e então eles atiravam na direção da árvore que estava balançando”.

O motorista disse que conseguiu chamar a polícia após chegar em área do presídio de Salvador, que fica no bairro da Mata Escura, próximo do local onde aconteceu o sequestro.

“Quando eu cheguei no final [do barranco], eu vi os cachorros latindo e Deus falando, ‘os cachorros vão ser sua salvação, porque com certeza o segurança vai ouvir os cachorros latindo’. Quando eu cheguei próximo aos cachorros latindo já era a parte de cima em plano e não aguentava andar e Deus falava ‘levante que você vai voltar para casa, use toda a força que você tem (…) Eu levantei [da lama] e levantei o braço. Como é um local que acho que era do presídio, se eu não me engano, eu levantei a mão e o segurança já veio com a arma em punho, só que ele viu que eu estava todo sujo de lama, eu caí e não tinha mais força, caí e pedi socorro”, disse o motorista que relatou aos agentes que havia sido sequestrado.

Violência

O traficante Jeferson Palmeira Soares Santos, 30, suspeito de ser o mandante da chacina que resultou na morte de quatro motoristas de aplicativo foi assassinado sábado (14). Segundo a família, que foi reconhecer o corpo no Instituto Médico Legal (IML), o crime teria sido ação de uma fação rival. Isso porque receberam fotos e vídeos de Jeferson sendo agredido e morto  por  no dia seguinte à chacina.

Até pouco tempo, Jéferson era um homem trabalhador, bom cozinheiro e dedicado à igreja. Pelo menos, era assim que a família o via. “Isso antes de se desviar do caminho do bem, de virar a cabeça”, como relatou ao CORREIO nesse domingo o seu avô, Raimundo Palmeira, 78 anos, quando foi reconhecer o corpo do neto. O pai do criminoso, o autônomo Carlos Alberto Soares, 65 anos, e uma prima, que preferiu não revelar o nome, também estiveram no IML e confirmaram o envolvimento dele com o tráfico.
Mesmo com a notícia do fim de Jeferson, os parentes lamentavam, acima de tudo, o fato de ele ter se tornado criminoso, apesar de toda a educação que recebeu. “Vivia com a Bíblia debaixo do braço e quase vira pastor. Ia para a Igreja Batista da Mata Escura. Pregava bonito! Conhecia a palavra! As amizades ruins levaram ele para o mal caminho”, disse o pai.

De acordo com informação dos familiares, antes de se meter no tráfico, Jeferson teria trabalhado como auxiliar de serviços gerais e cozinheiro do Hospital Manoel Vitorino, em Nazaré. “Depois, começou a se envolver, a ostentar, frequentar festa de paredão, postar foto com arma no WhattsApp”, contou a prima. “Ele começou a ficar famoso e ganhar dinheiro. Aí subiu para a cabeça”, completa.

Apesar de terem ido reconhecer o corpo, até o início da tarde de ontem os familiares não tinham a confirmação oficial da morte de Jeferson. A Polícia Civil informou que o corpo que estava no IML ainda não havia sido identificado.

Mas a família tinha certeza de sua morte. Até porque os homicidas de Jeferson fizeram questão de fazer uma foto dele rendido, com uma pistola apontada para seu rosto. Em seguida, gravaram um vídeo executando-o em um matagal escuro.

Especula-se também sobre a morte da mulher de Jeferson, conhecida como Jaqueline, que teria sido assassinada antes mesmo do traficante, logo depois das execuções dos motoristas de aplicativos. “Essa era a segunda mulher dele. Tinha dois filhos, mas não eram dele”, contou a prima.

Não se tem ideia de onde Jeferson teria sido morto. “Só recebemos as fotos e os vídeos”, disse a prima. A família não chega a afirmar que ele foi o mandante da emboscada dos motoristas de aplicativo, mas o próprio avô do traficante confirma que a avó do rapaz (e não a mãe como inicialmente havia se especulado) passou mal na noite dos crimes. E ele teria recorrido a alguns aplicativos de transportes sem sucesso. Este, teria sido o motivo dos crimes

Raimundo Palmeira conta que, com a morte da mãe de Jeferson, vítima de câncer, os avós o criaram. Ultimamente, ele circulava entre a localidade Paz e Bem, no Santo Inácio, e a casa dos avós, na Mata Escura. O pai mora próximo, no mesmo bairro. “Ele teve educação, sim! Nunca faltou nada! Não foi por falta de orientação. Tanto que os outros cinco irmãos vivem suas vidas normalmente. Um deles mora comigo e os outros têm suas famílias. De uma hora pra outra, Jeferson virou a cabeça”, lamentou o pai.

Crime
Os quatro motoristas de aplicativos foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na manhã de sexta-feira, na comunidade Paz e Vida, na Mata Escura. Os corpos foram encontrados enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas.

Os homens assassinados foram identificados como Alisson Silva Damasceno dos Santos (27), Daniel Santos da Silva (30), Genivaldo da Silva Félix (48) e Sávio da Silva Dias (23). Segundo a polícia, eles são motoristas dos aplicativos Uber e 99.
Um quinto motorista de aplicativo conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade.

Fonte: Correio On Line

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